A osteoartrose (mais conhecida como artrose) é um dos principais problemas reumatológicos, por ser uma das doenças mais comuns e incapacitantes do homem moderno. É a doença reumática mais frequente, representando a primeira causa de dor crónica, absentismo ao trabalho e invalidez. Segundo os dados disponíveis, a osteoartrose é causa de cerca de 30 a 40% das consultas em ambulatórios de reumatologia, o que a torna um problema maior de saúde pública.
A artrose acontece quando o organismo deixa de conseguir reparar as múltiplas agressões e lesões sofridas pelas articulações. Ou seja, a artrose provoca a lesão da cartilagem articular e conduz à diminuição da sua qualidade e quantidade, resultando na diminuição da sua espessura. Ela pode mesmo desaparecer, nas formas mais evoluídas, e as superfícies ósseas passarem a roçar uma na outra a cada movimento.
O tempo de degradação da cartilagem é variável e pode levar algumas dezenas de anos. Em casos mais raros, principalmente ao nível da anca e do joelho, essa destruição pode ser rápida e durar apenas alguns meses.
A artrose é a doença articular mais frequente do Homem moderno, aumenta com o avançar da idade e é causa frequente de dor e incapacidade, com grande impacto socioeconómico.
As queixas aparecem pelos 45-50 anos de idade, altura em que perto de 15% da população já tem artrose. Calcula-se que aos 70 anos cerca de 80% da população é atingida por este problema. Este aumento da incidência com a idade torna-se preocupante, devido à crescente longevidade do homem, estimando-se que em 2020 a população com mais de 60 anos atinja os 26% e suba para 30% por volta de 2040.
Nos últimos 20 anos tem-se dado mais importância ao estudo das suas causas e tratamento da osteoartrose, permitindo acabar definitivamente com o conceito de que a sua evolução dependia unicamente do envelhecimento, sem que houvesse nada mais a fazer. As investigações científicas das últimas décadas acabaram, definitivamente, com o antigo conceito de artrose como doença terminal própria do envelhecimento e criaram novas perspectivas clínicas, preventivas e terapêuticas.
É certo que as alterações músculo-esqueléticas da idade predispõem mas não causam directamente a osteoartrose, conhecendo-se vários factores de risco, sendo alguns deles evitáveis. O declínio da actividade física pode por si só causar dor e perda de função, mesmo na ausência de osteoartrose. Por isso as regras higieno-dietéticas têm um papel preventivo muito importante e é fundamental o seu cumprimento por parte de cada indivíduo.
Factores de risco
A osteoartrose desenvolve-se pela associação de diversos factores predisponentes que se vão acumulando ao longo da vida.
Assim, há factores de risco não modificáveis:
- Idade – Apesar de não ser uma doença unicamente própria da idade, existem alterações dos tecidos próprias do envelhecimento, que concorrem para o aumento da frequência da artrose com o avançar da idade;
- Sexo Feminino – A susceptibilidade genética é mais relevante no sexo feminino. As artroses dos joelhos e dedos são 2 a 4 vezes mais frequentes na mulher depois da menopausa. Pensa-se que os estrogénios tenham um efeito protector na cartilagem articular e que factores tais como a massa e força muscular, o tipo de actividade física ou o aumento da laxidão valvo-varo possam influenciar a maior frequência de osteoartrose na mulher.
- Genéticos e hereditários – Os factores genéticos parecem influenciar o risco de desenvolvimento dos diversos tipos de osteoartrose primária, seja axial (coluna vertebral) ou periférica (membros), localizada ou generalizada. Tem sido encontrado um risco acrescido de osteoartrose em certas famílias e em gémeos. Os factores genéticos da artrose dos dedos das mãos são duas a três vezes mais frequente nos familiares em primeiro grau. Existem ainda diferenças raciais, nomeadamente a baixa prevalência de osteoartrose da anca na população chinesa residente em vários pontos do globo. À luz dos actuais conhecimentos, a forma como os genes influenciam o desenvolvimento e as diferentes fases evolutivas da osteoartrose é ainda difícil de determinar, mas a hereditariedade parece ser um dos riscos possíveis de osteoartrose.
- Doenças metabólicas ou endócrinas;
- Artropatias inflamatórias.
E há factores de risco modificáveis:
- Obesidade;
- Traumatismo maior sobre a articulação;
- Sobrecarga articular resultante de actividades profissionais ou de lazer;
- Alterações anatómicas, entre outras.
Desta forma cada indivíduo pode prevenir a osteoartrose através, por exemplo, da correcção dos factores de risco modificáveis:
- Tratar a obesidade – A obesidade é um factor preditivo maior de osteoartrose. Um Índice de Massa Corporal (IMC) elevado aumenta consideravelmente o risco de osteoartrose dos dois joelhos. Este factor de risco é dose-dependente, o que quer dizer que quanto mais tempo e quanto mais elevado for o excesso de peso, maior a possibilidade de vir a desenvolver artrose, dor e limitação funcional. As mulheres estão mais expostas que os homens. A perda de peso, ao diminuir a carga sobre as articulações dos joelhos, melhora só por si a dor e parece reduzir o risco de agravamento radiológico (traduzido pela diminuição da entrelinha articular, que correspondente ao espaço ocupado pela cartilagem). O risco de osteoartrose da anca e dos dedos está também relacionado com um elevado IMC, embora o risco nestas articulações não seja tão importante como no joelho. O facto deste risco estar também presente em articulações não expostas a sobrecarga ponderal faz supor que existam factores metabólicos relacionados com a obesidade que favoreçam a osteoartrose.
- Alinhamento articular – O deficiente alinhamento de duas superfícies articulares, seja ele de causa congénita (malformações, displasias, sub-luxações) ou adquirida (sequelas de fracturas, acidentes, sobrecarga), leva a que se gerem zonas de atrito, por falta de distribuição regular das cargas sobre essa superfície articular. Ao nível dos joelhos, o desvio lateral dos topos ósseos articulares entre a tíbia e o fémur (em valgo ou em varo) aumentam três vezes o risco de progressão de osteoartrose. O desalinhamento de uma articulação pode provocar ou agravar o desalinhamento de outras.
- Evitar a sobrecarga articular e os traumatismos repetitivos, mesmo que de pequena amplitude, com particular cuidado para as ocupações que impliquem a flexão do tronco e a elevação de pesos;
- Actividade física e actividade profissional – A falta de uso da articulação leva ao desuso muscular, provocando o enfraquecimento dos músculos. O desuso articular pode ser provocado pelo sedentarismo ou pela própria dor articular, que limita o movimento da articulação. A fraqueza muscular parece contribuir para o desenvolvimento de osteoartrose. Assim, o exercício deve tornar-se numa prática regular, adaptado a cada caso, para manter uma boa tonicidade muscular. A actividade desportiva de alta competição favorece o desenvolvimento de artrose, não só pelos traumatismos, mas também pelo excesso de uso articular, sendo frequente a artrose da anca e joelho nos futebolistas e dos jogadores de rugby e a artrose da anca nos dançarinos. O trabalho repetitivo e o mau posicionamento continuado e prolongado a que obrigam certas profissões são causa de artrose, igualmente por uso excessivo. Alguns exemplos são a artrose dos joelhos do trabalho acocorado ou devido a flexões repetidas dos joelhos, a artrose das ancas do agricultor, a artrose das mãos (mais na dominante) do trabalhador manual ou a artrose da coluna e joelhos do transportador de cargas.
A articulação
A articulação é a zona do esqueleto que permite o movimento das peças ósseas entre si, que se mantêm ligadas por intermédio da cápsula articular. Para que as peças consigam deslizar bem são revestidas por uma camada lisa e resistente – a cartilagem articular, que ao mesmo tempo também amortece o choque, evitando que as extremidades ósseas se desgastem. No joelho existe ainda outro tipo de cartilagem, o menisco interno e o menisco externo, em forma de disco mais achatado no centro, que colocados de cada lado da articulação são potentes amortecedores de cargas e choques.
No interior da articulação existe um líquido gelatinoso e transparente, o líquido articular, que é produzido pela membrana sinovial e que reveste o interior da cápsula articular.
Toda esta estrutura é mantida com a ajuda de potentes músculos e tendões que se inserem junto das superfícies articulares e, com um engenhoso e importante jogo de forças, mobilizam as estruturas ósseas entre si. Toda esta estrutura permite que as superfícies ósseas se mantenham ligadas e deslizem suavemente num perfeito encaixe.
As articulações mais atingidas pela osteoartrose são o segmento cervical e lombar da coluna vertebral; a articulação carpometacarpiana do primeiro dedo da mão; as articulações interfalângicas proximais e distais dos dedos da mão; as articulações coxofemorais; as articulações dos joelhos e a articulação metatarsofalângica do primeiro dedo do pé.
A cartilagem
A cartilagem é um tecido amortecedor que reveste a superfície do osso ao nível das articulações, protegendo-as. Tem uma enorme capacidade de resistência à carga e permite o amortecimento e o fácil deslizamento, sem contacto das superfícies ósseas.
A cartilagem é um tecido vivo que está sempre em renovação, havendo em situações normais um equilíbrio entre a formação (anabolismo) e a destruição (catabolismo) da sua estrutura e uma pronta e eficaz resposta à reparação em caso de lesão.
A cartilagem é constituída por uma matriz extra-celular (proteoglicanos e colagénio) e por células (condrocitos) que controlam a formação e destruição fisiológicas da matriz.
Os condrocitos são as células próprias da cartilagem que têm a seu cargo a renovação de todos os outros elementos da cartilagem, nomeadamente o colagénio e os proteoglicanos.
A cartilagem de revestimento ósseo é a cartilagem hialina, existindo um outro tipo de cartilagem a nível articular, a fibrocartilagem, de que são constituídos os meniscos.
Diagnóstico
O diagnóstico da osteoartrose é essencialmente baseado na história clínica do doente, nos sintomas e na observação articular e na avaliação radiográfica das articulações. Ou seja, o diagnóstico tem por base alterações radiográficas típicas em doentes com queixas de dor articular, geralmente mecânica, rigidez e, quase sempre, um grau maior ou menor de limitação da mobilidade e da função da articulação. A ecografia pode ajudar o diagnóstico diferencial e a orientação terapêutica, mas na maioria das vezes não são necessários outros meios de diagnóstico. A osteoartrose, só por si, não provoca alterações nas análises laboratoriais.
A cartilagem parece ser a primeira estrutura da articulação a ser atingida no decurso da artrose, mas todos os outros elementos da articulação acabam por ser atingidos. A membrana sinovial, na tentativa de eliminar os restos de cartilagem degradada que ficam na cavidade articular, inflama e produz mais líquido sinovial (derrame articular ou derrame sinovial), que se manifesta como um inchaço na articulação. O osso subcondral da superfície articular vai reagir espessando-se e proliferando para as extremidades. Forma-se assim o osteofito, a que vulgarmente se chama “bico de papagaio”, que pode ser visto nas radiografias.
Sintomas
A dor é o principal sintoma de artrose. Provoca a chamada dor mecânica que aparece com a mobilização articular, intensifica-se ao longo do dia e acalma durante o repouso. Pode acompanhar-se de rigidez matinal de curta duração, habitualmente inferior a 15minutos. A dor nocturna sente-se por vezes com a mudança de posição. A artrose provoca dor principalmente nos períodos inflamatórios e evolutivos da doença, sendo muito menos intensa fora da crise. Formas mais inflamatórias e avançadas podem acompanhar-se de grande incapacidade.
A dor da anca (coxalgia) pode sentir-se com maior intensidade na virilha e irradiar para a parte anterior da coxa até ao joelho, ou mesmo ser mais intensa ao nível do joelho. A dor da coluna cervical (cervicalgias) pode irradiar para a cabeça, tórax ou membros superiores e as da coluna lombar (lombalgias) para os membros inferiores.
A rigidez no início do movimento, de curta duração (alguns minutos), surge principalmente após períodos de repouso e de manhã ao levantar e a limitação de movimentos pode aparecer precocemente e dificultar gestos simples e as tarefas de vida diária.
O derrame articular, habitualmente pouco importante, ocorre mais nas articulações submetidas a uso excessivo. A atrofia muscular pode acontecer por desuso de uma articulação, devido à dor crónica. Desalinhamento articular e deformações duras aparecem nas formas mais evoluídas da doença pela presença de osteofitos e alterações da estrutura periarticular (cápsula, tendões, ligamentos).
Tratamento
O tratamento actual para a osteoartrose é sobretudo dirigido ao alívio da dor. Para isso utilizam-se os analgésicos, maioritariamente o paracetamol, em tomas repartidas é a grande maioria das vezes eficaz e bem tolerado. Deve ser tomado nos períodos de dor ou diariamente no caso de dor crónica.
A demonstração de inflamação na osteoartrose permitiu reconhecer o papel terapêutico dos anti-inflamatórios não-esteróides (AINE), muitas vezes preferidos pelo doente relativamente ao analgésico, assim como o do uso de medicamentos constituintes da cartilagem, como o sulfato de glucosamina e de condroitina e o acido hialurónico. A eficácia e tolerância é variável de indivíduo para indivíduo e qualquer das terapêuticas deve ser indicada pelo médico especialista.
O tratamento termal é quase sempre benéfico na osteoartrose, existindo em Portugal diversas estâncias termais bem apetrechadas para o tratamento destas doenças.
Na cirurgia da osteoartrose o grande avanço foi obtido pelas próteses totais, nas formas evoluídas, mais sintomáticas e incapacitantes. As próteses totais da anca e joelho são as que se utilizam com maior frequência e trouxeram um enorme benefício na qualidade de vida do doente. A sua colocação deve ser precedida de um bom programa de fisioterapia e de eventual controlo de obesidade.